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Aluno da engenharia elétrica é um dos pioneiros do foguetemodelismo no Brasil

É quase que um sacrilégio falar em foguetemodelismo no Brasil sem falar em Paulo Gontran. Considerado por sites e blogs especializados na área como um dos pioneiros da atividade no país, Gontran, aluno do curso de engenharia elétrica do câmpus Pelotas, há pelo menos quatro décadas vem desbravando o universo dos minifoguetes.
publicado: 25/08/2016 00h00, última modificação: 14/02/2017 17h34

É quase que um sacrilégio falar em foguetemodelismo no Brasil sem falar em Paulo Gontran. Considerado por sites e blogs especializados na área como um dos pioneiros da atividade no país, Gontran, aluno do curso de engenharia elétrica do câmpus Pelotas, há pelo menos quatro décadas vem desbravando o universo dos minifoguetes. A paixão começou na infância e nem mesmo um grave acidente, ocasionado pela explosão de um deles, fez com que este porto-alegrense de 60 anos desistisse de tudo.

“Na época do curso ginasial, tive dois amigos que também gostavam de fazer pequenos foguetes de pólvora negra, e fizemos alguns. A explosão de um foguete maior, me levando ao hospital por conta de ferimentos e queimaduras, fez com que nossos pais nos proibissem de construir foguetes. Pelo que se vê, isso não adiantou, e continuamos a atividade. Em 1974, fomos convidados a participar da primeira reunião nacional de clubes espaciais, em São José dos Campos (SP), nas dependências do então Instituto de Atividades Espaciais (IAE), hoje Instituto de Aeronáutica e Espaço, órgão militar do então Centro Técnico Aeroespacial, atual DCTA, do Comando da Aeronáutica”.

Gontran conta que a sua verdadeira paixão mesmo sempre foi pela pesquisa espacial em geral e o estudo da propulsão a motor de foguete, em particular. O espaçomodelismo foi a forma que encontrou de se inserir nessa atividade, de forma não profissional. É um aficcionado pelo assunto desde os dez anos, quando acompanhava com muita curiosidade as conversas dos adultos acerca dos lançamentos de foguetes Nike-Apache, de fabricação norte-americana, além dos primeiros voos dos primeiros astronautas ao espaço, tanto da Rússia quanto dos Estados Unidos, e de satélites artificiais.

“Em 1969, fiquei muito empolgado com a chegada da Apollo 11 à Lua, evento que assisti ao vivo pela TV, na madrugada de 22 de julho daquele ano. Eu já colecionava artigos, livros e revistas sobre o espaço e passei a me aprofundar mais e mais nesse estudo, mesmo com as dificuldades de acesso à informação naquela época, muitas até sigilosas. Outro motivador foi o filme 2001, uma Odisseia no Espaço, o qual assisti por seis vezes no cinema e outras tantas na TV. Hoje tenho cópia dele em DVD”, diz Gontran, que desde 2002 é servidor da Infraero, com passagens pelos aeroportos de Joinville (SC), Porto Alegre (RS), João Pessoa (PB) e Pelotas (RS), onde atualmente trabalha como profissional de navegação aérea, transmitindo informações importantes, via rádio, sobre pouso e decolagens de aeronaves e também as relacionadas à meteorologia.

“Acredito que, de uma forma ou de outra, sempre estive ´perto do que voa´, embora minha paixão seja por foguetes e, paradoxalmente, não por aviões”, completa.

Competições

altAlém de convites para palestras e cursos sobre propulsão de foguetes, Gontran faz parte da MicroGuapos, equipe  que participa de competições de foguetemodelismo pelo país, envolvendo instituições de ensino de renome, bem organizadas e estruturadas, como a Universidade de Brasília (UnB), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade de Campinas (Unicamp), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Apesar de “brigar” com concorrentes de peso, a MicroGuapos conseguiu excelentes resultados no 3º Festival de Minifoguetes de Curitiba, evento realizado em abril. Na edição de 2014, Gontran, disputando individualmente, já havia sido destaque.

As competições de foguetemodelismo utilizam os chamados minifoguetes pirotécnicos, diferentes daqueles confeccionados com garrafa PET. O valor de um protótipo varia muito, dependendo do material, sistema de propulsão, entre outros itens agregados. Gontran explica que, para a competição de Curitiba, construiu o foguete “Esgualepado” a partir de sucatas que tinha em casa. O único custo foi do motor, onde uma caixa com 12 motores saiu por R$70,00, comprada em Pelotas. Já a ogiva foi feita em impressora 3D, com o apoio da Pontifícia Universidade Católica (PUC).

“Há, assim, minifoguetes bem baratos e bem caros, cabendo ao projetista e investidor saber até onde pode e deve ir. Outros custos importantes são os da rampa de lançamento, ignitores, sistema de recuperação e eletrônicas de disparo, além de cargas úteis portando eletrônicas, como sensores, câmeras e outros equipamentos. Claro que os protótipos universitários, visando à pesquisa e qualificação, são muito caros se comparados aos destinados às competições, entretanto, isso é inerente ao desenvolvimento de novos motores, que podem ser, e são frequentemente, empregados em teses e dissertações de doutorado e mestrado, podendo haver desdobramentos para o campo profissional do espaço e até para objetivos comerciais”, argumenta.

Os foguetes das competições brasileiras seguem os padrões da NAR (National Association of Rocketery), dos Estados Unidos. Esta entidade classifica por letras os motores-foguete de cada foguetemodelo, como A, B, C, e assim sucessivamente. A CAR, do Canadá, também segue esse padrão.

Para cada letra há uma curva de força de empuxo (em Newtons) x tempo (em segundos) associada, cuja integral traduz a energia do motor empregado, ou impulso total. Há motores fabricados com 1,25 Ns, 2,5 Ns, 5Ns, 10 Ns, 20 Ns, 40 Ns, etc, de empuxo - de forma progressiva -, testados por amostragem no fabricante e homologados por entidades, conforme o país de origem.

Cabe ao projetista adequar o motor ao foguete pretendido, em última análise, ao projeto aerodinâmico desejado, carga útil, sistema de recuperação, pirotécnicos, entre outros.

Gontran conta que, devido ao atendimento às normas de segurança, há desde competições propícias para crianças, sob supervisão de adultos, até as destinadas a veteranos. Separados por categoria, e os minifoguetes podem concorrer em diferentes objetivos, como precisão, onde o protótipo deve atingir o mais próximo possível as marcas de 50m, 100m, 200m, 400m, entre outras estabelecidas pelos organizadores; e apogeu, que se refere à altura máxima alcançada.

“O objetivo não é só vencer, mas intercambiar conhecimento e promover a pesquisa técnico-científica, pois projetar um minifoguete não difere, em sua essência, ao projeto de um foguete de maior porte. Há um clima de camaradagem e ajuda mútua nas competições, entre as equipes. Física, química, materiais, aerodinâmica, engenharia, eletrônica, tudo é usado da melhor forma para o objetivo do projeto, mas há também os macetes, que só o tempo e a experiência mostram. Cada equipe tem, por assim dizer, seus ´segredinhos´”, ressalta.

Em Pelotas ainda não existe uma área considerada ideal para a prática do foguetemodelismo. Conforme Gontran, as buscas são por espaços entre 1 e 2 hectares, sem construções e animais próximos e que não interfiram no tráfego aéreo, principalmente.

“Além disso, Pelotas é uma cidade muito úmida, e isso dificulta sobremaneira o foguetemodelismo, que tem a umidade como grande inimiga”, completa.

Realidade

Pioneirismo exige sacrifícios. Com o foguetemodelismo não é diferente. Acostumado a encarar as dificuldades, Paulo Gontran, como todo bom e velho desbravador, persiste nesta árdua missão. Quer ver o foguetemodelismo ganhar cada vez mais terreno, apesar dos entraves burocráticos e financeiros.

altNa década de 1970 o maior inimigo foi a ditadura militar que vigorava no Brasil. O governo militar, segundo Gontran, não via com “bons olhos” os foguetes. Apesar de os adeptos da atividade contarem com a ajuda da Aeronáutica, o Exército controlava em demasia tudo o que fosse relativo a pirotécnicos, situação que dificultou muito o registro do primeiro centro de pesquisas aeroespaciais organizado por Gontran.

“De certa forma, até hoje isso ocorre. Entretanto, atualmente, o problema é mais financeiro. Devido às diversas taxas e custos para manutenção de uma entidade, vimos grupos como o Cefec (Centro de Estudos de Foguetes Espaciais do Carpina) e o Cefab (Centro Experimental de Foguetes Aeroespaciais da Bahia) darem baixa em seus registros oficiais, infelizmente. A burocracia no Brasil é muito grande, e os custos para manter essas entidades, mesmo científico-culturais, é proibitivo”, revela Gontran, que lidera o Centro Gaúcho de Pesquisas Aeroespaciais (Cegapa), entidade que opera mesmo sem ser registrada oficialmente. A expectativa, de acordo com Gontran, é de que mais idealistas se juntem à causa e venham a constituir juridicamente o Cegapa, além de mantê-lo financeira e operacionalmente.

“Uma pessoa jurídica tem vida própria, quer seja um grupo de pesquisas científicas, um clube de boliche, um grupo de mães ou peteca. Há de ter sócios que a mantenha, senão sucumbe. Fomentar a pesquisa espacial amadora e o "Space Education", em todas suas instâncias, é o ideal que impele o Cegapa. O foguetemodelismo é só um meio de melhor divulgar a atividade, que tem muitos desdobramentos”, adverte.

Sempre otimista e apaixonado pela atividade, Gontran vê o foguetemodelismo em tudo. Com propriedade e convicção no que fala, afirma que o curso de elétrica, do qual é aluno, tem uma relação direta com a arte de fabricar minifoguetes. Para ele, não há limites para a utilização da engenharia elétrica, seja no espaço ou em foguetes.

“Os foguetes, amadores ou profissionais, são plataformas técnico-científicas de amplo uso. Aplicam-se neles vários conhecimentos de engenharia de várias áreas, entre elas, a elétrica, com destaque. Outras são as engenharias química, de materiais, mecânica, da computação, de controle, cartográfica, só para citar algumas, além das Ciências Puras, como física, matemática, biologia, e Aplicadas, como meteorologia, medicina, astronomia, farmácia, etc”, conclui Gontran, que espera que, um dia, o filho mais novo herde dele a paixão pelo foguetemodelismo.

“Ele gosta muito quando faço e lanço foguetes. Quem sabe ele não vira um fogueteiro também?”, torce o pai coruja.