Você está aqui: Página Inicial > Notícias > Crônica escrita por servidor emociona comunidade acadêmica do câmpus Pelotas

Notícias

Crônica escrita por servidor emociona comunidade acadêmica do câmpus Pelotas

LUTO

De autoria de Luís Artur Borges, material é uma homenagem ao aluno José Carlos Garcia Porto Júnior, sepultado no último sábado (21)
publicado: 25/10/2017 10h13, última modificação: 25/10/2017 10h13

A morte trágica de José Carlos Garcia Porto Júnior na última sexta-feira (20), aluno da Licenciatura em Computação, deixou consternada a comunidade acadêmica do câmpus Pelotas. O estudante, sepultado no sábado (21), ganhou uma  homenagem especial de servidores e alunos durante a cerimônia de abertura dos Jogos Intercursos 2017, quando foi concedido pelos organizadores do torneio um minuto de silêncio à sua memória. O clima de tristeza e perplexidade que tomou conta da escola contagiou também o técnico-administrativo Luís Artur Borges, que fez questão de escrever uma crônica para reverenciar o jovem Júnior, como carinhosamente era conhecido. Confira!

 

E AGORA, JOSÉ?

Por Luís Borges

Foi sepultado sábado (21-10-2017) José Carlos Garcia Porto Júnior, carinhosamente conhecido por Júnior. A maneira trágica como faleceu trouxe uma grande comoção à comunidade pelotense, especialmente aos moradores do bairro Fragata, e do IFSUL, onde estudara.


Eu não o conhecia profundamente. Algumas vezes frequentou a minha casa para realizar trabalhos de informática. Apesar de não termos sido amigos tão chegados, apreciava-o. Tinha olhos bonitos, vivos e penetrantes. Deixou em mim, como em tanta gente, marcas de sua alegria e generosidade. Sempre que passava cumprimentava sorrindo. Não me lembro de ter tratado com pessoa mais amável e educada.


Todos os que conviveram com ele, amigos ou simples conhecidos, ficaram chocados e tristes. Era um jovem, menos de 30 anos, que teve a vida interrompida brutalmente. Perplexos, indagamo-nos o porquê. Minha esposa é amiga de longa data da mãe do Júnior e minha enteada foi sua colega no Colégio Armando Fagundes, na infância. Ambas o conheceram desde tenra idade, guardando muitas recordações. As duas sempre enfatizam, quando trazem essas reminiscências, os cuidados da mãe extremosa, dona Marina, e o carinho do pai e da irmã.


Minha mulher sentiu um fundo abalo com a notícia de sua morte. Não lhe quis cavocar a sensibilidade, mas creio que ela pensou no malogro de uma existência que “podia ter sido e que não foi”, para utilizar a expressão de Manuel Bandeira.
Não sei que estatura ele tinha, mas, certamente, era maior do que a maioria de nós. A despeito das dificuldades inerentes à sua condição física e de uma série de enfermidades associadas, acrescidas dos preconceitos que teve de enfrentar, além dos naturais obstáculos que se interpõem no caminho de qualquer um, ele não se acovardou, encolhendo-se em casa, lamuriando e se vitimizando. Ao contrário, saiu ao encontro da vida, até que um dia a vida lhe veio de encontro.


Há pouco, Júnior se formara no curso técnico em Telecomunicações do câmpus Pelotas do IFSul, onde granjeou a amizade e a admiração de todos. Uma alma cândida, uma carreira promissora, uma inteligência de escol; tudo isso, de repente, subtraído como que do nada, coloca no peito da gente um grande desconforto. Somos tentados a cair num estado de torpor existencial, questionando qual o sentido da vida ou mesmo se ela teria um sentido intrínseco. Sim, a vida possui um sentido. Deus nos chama desde o ventre de nossa mãe, a fim de realizar uma missão.


Não somos um acidente biológico, resultado de um “gene egoísta”, conforme vocifera Dawkins, no delírio de sua rasa crença naturalista, nem um ser abandonado num universo desprovido de propósito, numa liberdade sem significado, perdida na absurdidade da existência, como queria Sartre. Desta maneira, é a própria vida de José, o nosso Júnior, que é a prova mais cabal do sentido e da esperança existencial. Conforme disse Gonçalves Dias em seu célebre poema “Canção do Tamoio”: “Não chores, [...] que a vida é luta renhida;/ Viver é lutar./ A vida é combate,/ Que os fracos abate,/ Que os fortes, os bravos,/ Só pode exaltar.”


A vida não é apenas um ponto intermediário entre a chegada e a partida. Sobretudo, a vida é legado. Seu exemplo de luta, suas conquistas, sua simplicidade, sua determinação e coragem; tudo isso foi seu hino de amor à vida. Esse eco reverbera em nosso coração e, com a perenidade dos grandes gestos, há de inspirar gerações. Foi um lutador e um pioneiro. Apenas por existir nos obrigou a ser melhores.


Sei que amou, sofreu, sonhou. Quem soube de seus segredos, de seus silêncios, de suas dores e de seus desejos? Só Deus, pois Ele esquadrinha os espaços mais recônditos da nossa alma. Com certeza, José, apesar do amor de seus parentes e amigos, algum dia deve se ter sentido solitário e cansado. Em algum momento, todos nós sentimos isso. É a ânsia de infinito que habita todo ser humano e que só pode ser saciada por Deus.


Buscar explicações de porque o Júnior foi tirado de nós de forma tão repentina e brutal, sendo pessoa tão honesta, esforçada e carinhosa, é uma reação natural numa situação-limite. Sofremos a sua saudade, enquanto existem tantos seres humanos que gostaríamos de ver fora de nossas vidas. Mas estão aí, fazendo toda sorte de monstruosidades! Injustiça? Ponderemos um pouco. Ao contrário do que dizia Renato Russo, é preciso amar as pessoas porque existe amanhã. O amor nunca é vão. A vida, como o amor, não necessita de explicações. A vida, como a poesia, está sempre envolta pelo manto do Mistério.


A Bíblia declara que são felizes “os puros de coração, pois eles verão a Deus” (Mt 5,8). Ele era um puro. Pureza e integridade são coisa escassa, num tempo que proclama sujidades. Acredito que o Júnior goza da Paz Celestial. De seus medos ou de suas certezas pouco saberemos. Isso não importa mais. Agora ele está lá, num lugar em que não há dor, nem choro, no qual toda lágrima já foi enxugada, um lugar em que toda a injustiça será reparada e que tudo aquilo que deveria ter sido será plenificado.


Neste momento doloroso ainda percebemos os acontecimentos sem a tranquilidade necessária para aceitar as realidades mais duras – todavia, provisórias -, que só o tempo e a fé podem conferir. Miremo-nos no exemplo do Júnior. Sua face no esquife estava serena, como sereno está na eternidade. Consolemo-nos, uma vez que para o nosso inesquecível amigo, diferentemente do personagem drumondiano, a festa não acabou, está apenas começando. No entanto, este pode ser, enquanto vivenciamos o luto, um momento privilegiado de reflexão sobre o nosso destino transcendente. Façamos a nós mesmos a célebre interrogação do poeta itabirano: “você marcha, José! José, para onde?”